sábado, 3 de agosto de 2013

“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”


Ontem, preparando uma aula, decidi me utilizar da música “Epitáfio”. Estava há dias pensando sobre o meu primeiro encontro do semestre letivo com minha turma de Ensino Médio e demorava para me escolher o que eu queria usar.
Influenciada pelas mensagens do Papa Francisco para os jovens na JMJ, eu pensava em levar para meus alunos algo que pudesse motivá-los para a caminhada que está a sua frente – esta até o final do ano, mas também a maior, da vida.
Na manhã de ontem, logo cedo, li a crônica “O que o acaso decidiu”, de Soninha Francine, na revista Vida Simples do mês passado. Identifiquei-me imediatamente, quando a autora escreveu sobre planejar o que queremos fazer para melhor nos organizar. Necessito disso! Gosto disso!
No entanto, o enfoque do texto era justamente o contrário: quando vivenciamos algo que não havíamos planejado e, de repente, descobrimos prazer nisso. Coisas simples como ligar o rádio do carro e estar tocando uma de nossas músicas favoritas; ou passear por um livraria e encontrar um livro que é a ‘cara’ de alguém especial. Soninha denominou essas situações não planejadas de “acaso”. No lide de sua crônica, lê-se: “Ser surpreendido pelo acaso, de vez em quando, tem lá seu valor. Vale a pena experimentar!”.
Lembrei-me imediatamente da música do Titãs que diz “o acaso vai me proteger/enquanto eu andar distraído” e achei, finalmente, o texto que desejava levar para meus alunos adolescentes.
Gosto muito dessa música, “Epitáfio”; acho a construção textual interessantíssima e o título, criativo e original. Mas, como sempre acontece quando lemos novamente um texto já conhecido, descobri ontem, ao preparar minha aula, que não havia me dado conta anteriormente da riqueza da mensagem dessa canção e do quanto acredito no que ela diz.
Epitáfio é aquilo que fica escrito nas lápides dos túmulos. Em grego antigo, significa “sobre a tumba”. Em geral, o objetivo é homenagear a pessoa ali sepultada com algo que lembre como foi sua vida.
O texto é construído com duas antíteses bastante interessantes: mais/menos, alegria/dor. O eu lírico diz que deveria ter “amado, chorado e arriscado mais”; em contraposição, que deveria “ter complicado, trabalhado e se importado menos com problemas pequenos”. Ou seja, o eu lírico lamenta tanto algumas atitudes que teve quanto outras que não teve.
Melancólica avaliação da vida, que não fazemos somente ao final dela, mas diariamente. O desafio é não cair no remorso ou na culpa, que destroem a pessoa psiquicamente, mas avaliar-se, reconhecer erros, refletir sobre mudanças de postura. Enfim, aprender a viver!
Num outro momento, o texto revela mais uma dificuldade da vida humana: a aceitação. Está em nós uma necessidade de mudança e de transformação que é altamente positiva. Foi isso o que levou nossa espécie a modificar seu ambiente e sua realidade ao longo da História.
Por outro lado, essa inquietação, que pode ser demonstrada em curiosidade ou intolerância, por exemplo, às vezes nos faz querer modificar algo que não nos cabe. O eu lírico diz: “Queria ter aceitado/As pessoas como elas são” e “Queria ter aceitado/ A vida como ela é”.
Conseguir compreender que há coisas que não cabem a nós mesmos mudar é sabedoria e não comodismo. Essa compreensão é fundamental para que façamos escolhas e possamos nos dedicar àquilo que precisa de nossa energia para mudar e poder deixar de lado o que não nos é possível transformar.
A antítese alegria/dor também é rica de significado. O eu lírico diz: “Cada um sabe a alegria/E a dor que traz no coração...” e “A cada um cabe a alegria/E a tristeza que vier...”. Vejo isso como um paradoxo do equilíbrio: a vida não é alegre OU triste. Ela é alegre E triste.
Assim como necessitamos enxergar as alegrias da vida (nem sempre é claro, às vezes estamos míopes para essa visão...) e saber desfrutar delas, é importante não cair no deslumbramento: haverá momentos sem alegria.
Do mesmo modo ocorre com a tristeza. Conseguir experimentar a dor, sem simplesmente “escondê-la embaixo do tapete”, e aprender com ela é essencial para aprender a viver. Mas é preciso estar atento para se chegar apenas à beirada do poço, evitando seu fundo, de onde fica difícil sair. Afinal, a tristeza também passa! E como diz nosso poetinha: “É melhor ser alegre que ser triste...”.
Por fim, gostaria de pensar sobre o ‘acaso’. No meu modo de entender, trata-se daquilo que não pode ser planejado e que, a despeito de toda a experiência, preparação, previsão - acontece. Acho que é a vida dizendo: “Olha, quem manda aqui sou eu. Você pode muito, mas, certamente, NÃO PODE TUDO.”
Tentamos, refletimos, procuramos estar atentos à vida. E eu dizia isso aos meus alunos, ao fazer toda a reflexão acima: é importante estar atento, ter foco, se preparar para o que se deseja. Eles são jovens e eu preciso dizer a eles que essa atitude faz toda diferença.
No entanto, preciso dizer, também, que o controle da vida não está em nossas mãos, por melhor que seja nosso estudo e por melhor embasados que estejam nossos planos. A dimensão da espiritualidade tem de estar presente para que esse conjunto se complete e para me dar o suporte de que necessito quando saio do meu ponto de equilíbrio e me distraio...

Acredito que aí esteja o sagrado, o divino, a que cada religião chama de um modo. Na minha, chamo de Deus, que se revelou na pessoa de Jesus Cristo, e não tenho dúvida de que “ele vai me proteger, enquanto eu andar distraído”.

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