segunda-feira, 14 de junho de 2021

Santo Antônio, gestos e memórias

 Fui ao mercado esta semana e, ao finalizar as compras, a moça do caixa perguntou: “Quer pãozinho de Santo Antônio?”. Fiquei tão surpresa e feliz que disse “sim”. Não sem antes a moça ter de repetir a pergunta, de tão inesperada que aquela frase foi pra mim.

Eu, que vou exclusivamente ao mercado e o faço sempre com preocupação e receio nestes tempos de pandemia, saí com o coração reconfortado, carregando nas bolsas uma sacolinha com pãezinhos de Santo Antônio. 

Não sou devota de fé, mas de afeto. Esse gesto me levou de volta ao período dos meus 10 aos 13 anos, quando eu morava com meus pais e irmã em Olaria e todo ano, em 13 de junho, era o dia de ir à Igreja de Santo Antônio buscar os pãezinhos. 
As lembranças vieram com um delicioso gosto - nos olhos, na pele e no coração - de céu azul, sol forte, caminhada a pé de Olaria até a Praça do Suspiro (não era procissão religiosa, não, era falta de grana pra pagar passagem de ida e volta pra três - eu, minha irmã e minha mãe), celebração e o presente final: levar os pãezinhos para casa. 
Tudo consistia num rito, que, para mim, era mais do que religioso, pois tinha todos esses elementos que eu alcançava pelos meus sentidos. 
Ou, talvez, fosse a essência da religião: toda aquela preparação desde a saída de casa até o objetivo final, ao me tocar de forma ampla e tão bela, me ligava, mais uma vez, a Deus. 

Em casa, os pãezinhos iam para as latas (latas mesmo, de alumínio, que minha mãe areava com capricho); a crença era que, ali guardados, os pãezinhos abençoavam a casa e o alimento não faltaria até a renovação do rito, no próximo 13 de junho. 
Quanta beleza nosso tudo!
Como foi bom recordar isso! 

Fé genuína, passeio em família ao ar livre e rituais que fazem história. Não a grande História- mas aquela que é de cada um e que constrói os sentidos do viver. 

Meu coração ainda bate forte por esse gesto!

domingo, 18 de abril de 2021

Dia Nacional do Livro Infantil – 2021 e a busca pela valorização dos livros

 No Dia Nacional do Livro Infantil, no ano de 2021, fiquei pensando sobre muitas questões que ainda afetam a promoção da leitura literária no Brasil. Falo sobre meu país, pois é onde nasci, cresci, me formei, onde atuo profissional e continuo estudando. E a questão da literatura – e da leitura – me é muito importante. Aqui, nesta data celebrativa, temos sobre nós o pavor de um governo que deseja taxar livros... com uma nação que ainda precisa muito de incentivo, estímulo e efetivas públicas de valorização da leitura, da literatura, dos escritores e dos professores – esses tão importantes no papel de promover a leitura.

Fiz um vídeo brevíssimo, cujo link compartilho ao final deste texto, em que provoco pais, mães e demais familiares, assim como os professores a olharem para o lado e atentarem para a criança que têm por perto e lhes oferecer livros. Mais do que isso, pois não se trata de um simples incentivo ao consumismo desse objeto: a provocação é sobre ler para a criança e sobre ler para a criança; é sobre ter livros em casa e sobre não deixá-los empoeirados nas estantes; é sobre visitar bibliotecas a aprender a reivindicar mais espaços desses que verdadeiramente democratização a leitura, pois permitem o acesso a livros a quem não pode adquiri-los; é sobre visitar livrarias e prestigiar o comércio local e sobre olhar livros e saber escolhê-los; é sobre não usar como desculpas o preço de um livro e realmente estabelecer prioridades quanto às compras; é sobre enxergar como trabalhadores os bibliotecários, livreiros, escritores, ilustradores, editores e toda a enorme cadeia em torno do livro; é sobre a experiência estética e sinestésica que o objeto livro possibilita e que já jamais será alcançada por um documento em PDF (que, reunidos, formam a falsa “biblioteca virtual”); é sobre assistir a programas de promoção de leitura e participar de projetos literários.

É um vídeo curto, muito curto. São apenas algumas breves provocações. Eu desejo, no entanto, que sejam tão provocativas que gerem transformação.

Que às crianças seja oferecido o direito à leitura e à literatura e o acesso a livros. E que elas se tornem adultos que saibam fazer escolhas éticas, que tenham sua sensibilidade despertada, capazes de lidar com as próprias emoções e agir com ética e afeto e que possam atuar como cidadãos que busquem uma humanidade cada vez mais desenvolvida em prol da coletividade.

É muito? Sim. Utópico, talvez. Mas se a utopia serve para nos fazer caminhar, continuo na estrada, esperançando.

Nova Friburgo, 18 de abril de 2021

Márcia Lobosco



domingo, 21 de março de 2021

Sobre erguer um lar

 

Detesto mudar de casa. Deixar meu canto, começar tudo de novo. É tão difícil pra mim, que perco toda a minha capacidade de organização e minhas mudanças quase sempre são bagunçadas. Acho que faço um grande boicote, porque, de certa forma, não quero me mudar. Mas mudo, sempre que é preciso.

Já mudei de casa várias vezes. Três mudanças, porém, deixaram cicatrizes em mim. Uma ferida que dói sempre que é cutucada. Dor de separação não superada. Apesar de toda a superação que efetivamente veio, trazendo uma vida boa e feliz. Mas algo permaneceu triste para sempre. E tristeza dói.

Na primeira vez eu era criança. Isso já tem quase quarenta anos. E eu sinto de novo o coração apertar quando me lembro da notícia de mudança. Lembro as preocupações que tive – “Será que nessa cidade tem correio?”. Sim, foi uma mudança drástica: fomos morar em outro município, distante duas horas e meia da minha escola amada, dos meus amigos queridos, da igreja que eu começara a frequentar. Como eu conhecia bem o alento que proporcionado pelo carteiro chamando no portão para entregar correspondência nova, pus nisto minha fé: tendo correio, vou poder trocar muitas cartas! Era o poder da escrita que eu já conhecia, aos 10 anos de idade.

Adulta, casada, com filhos, vinte e poucos anos depois dessa experiência, tive de, novamente mudar de casa. Era na mesma cidade, pelo menos. Durante alguns anos, voltava ao bairro antigo só para olhar para aquela casa – a casa amarela. Fora construída no início do casamento, abrigou a família que se iniciava, foi preenchida com alegrias de encontros, lágrimas de desencontros, chegadas e partidas de filhos, desejos e muitos sonhos. Tinha encantamento de infância, vivida plenamente em cada cômodo e nas brincadeiras sob o sol no quintal. Poucos anos vivemos naquela casa. O suficiente, porém, para marcar as memórias afetivas para sempre.

A terceira mudança não é o que se entende por trocar de casa. Ninguém morava mais nela, quando foi vendida. Mas efetivar a venda da casa pôs o ponto final da história daquele lugar na minha vida. Aquela havia sido a casa construída por meus pais com extremo esforço e erguida pouco anos depois de chegarmos à cidade. Quando começamos a viver naquela residência, foi uma celebração simbólica de que tudo havia dado certo, apesar dos percalços. Ali, as esperanças se renovaram de que, sim, a escolha da mudança havia sido acertada. Depois dali, houve ainda muitas dificuldades; a chuva de bênçãos, porém, foi abundante. Mesmo o momento de saída de cada filha, os retornos e as reviravoltas, foram vividos com intensas emoções e muita felicidade, ao final. Até o dia em que não foi mais possível que houvesse ninguém na casa. Decisão difícil; consequência das intempéries da vida – a casa, tão amada, virou sinônimo de medo. Mas permaneceu ali, ainda por algum tempo, guardando algumas das nossas coisas, e todas as nossas memórias sempre reavivadas em pequenas visitas para buscar algo. Até o dia em que, felizmente (ah, esses paradoxos da vida!...), apareceu um comprador e a casa foi vendida. Pra nunca mais.

Já foram mudanças de casa. E sempre me atrapalho com isso. Dá preguiça, dá desânimo, dá medo. Demoro a separar tudo, não consigo me organizar bem. Levo meses na rearrumação. E, de repente, como se não tivesse havido nenhuma dificuldade, a casa está com tudo em ordem e com a minha cara. E eu estou feliz.

Mas... há três cicatrizes. Eu as vejo. Estão ali para não me deixar esquecer. Lar é construção diária. E tem mais a ver com pessoas e afetos do que com qualquer outra coisa.

 

Márcia Lobosco

Nova Friburgo, 21 de março de 2021

Outono pandêmico (outra vez)

domingo, 7 de março de 2021

Peço aos céus para me proteger

A Pandemia da Covid-19 continua atingindo a muitos e ceifando vidas pelo mundo afora. No Brasil, um ano depois do primeiro caso detectado, os dados são terríveis. A vacinação, tardiamente iniciada se comparada a outros países, segue a passos lentos. E tudo ao nosso redor é assustador, grotesco, desalentador.

A despeito de toda a dor, medo, indignação, preocupação e até desânimo em muitos momentos, sigo pelas redes sociais falando sobre alegrias. Não é alienação. É a busca por trazer à tona experiências vividas que possam iluminar dias sombrios.

As tristezas que nos rondam fazem meu coração chorar. Todo dia. 
Sigo, então, buscando alento. Na fé. Na arte. Quase nunca é fácil. O esforço é grande para manter acesa a chama da esperança.

Lembrei-me de uma música que, desde o título, é o texto que eu queria para este momento. Ela se chama “Oração” e eu destaco seus primeiros versos:

Peço aos céus para me proteger
E eu não hei de ceder
Ao vazio desses dias iguais
Mal em mim nunca há de fincar
Mel em mim nunca há de findar
Olhos nus e atentos aos sinais
Faço fé para poder ver
A vida há de ser sempre mais
Peço aos céus para me defender
De engolir o sofrer
Contato vir a ter jamais
Com o invisível que paira no ar
Dos que querem ver sangrar
Ilumine, e que sigam em paz
Faço fé pra poder ver
A vida há de ser sempre mais
Se acaso a peste
A tempestade trouxer
Que ao se aproximar de mim, suma
Que no seu lugar
Nunca demore a brotar
A celeste semente do amor
Envolto por espirais
Num manto de azul-lilás
Conserve meus bens vitais e calor
Cuide para crescer
E enfim florescer a flor de cristal
Sobre nossos quintais


(Oração, composição de Dani Black)

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Saberes e sabores



 Saberes e sabores 


Na minha infância, sempre estive por perto das vivências culinárias da minha casa. Desde ir à feira e experimentar as cores, cheiros e sons daquele ambiente; passando pela companhia na produção de bolos, saladas de frutas e cocadas dos finais de semana, com participação de pai e mãe. 
Adolescente, assumi minhas tarefas domésticas e havia os momentos das compras e os do fogão. 
Quando fui morar sozinha, o forno micro-ondas foi meu parceiro de aventuras gastronômicas. Comecei a fazer meu caderno de receitas e a curtir preparar os pratos pra receber o namorado e os amigos. 
Casada, encarei o fogão. Testei receitas e aprendi a dar atenção à arrumação da mesa. Delícias não somente para o paladar, mas também para a audição e a visão. 
Com os filhos pequenos, quis reproduzir minhas lembranças de infância. Como foi bom! Uma pequena bagunça e muita conversa e aprendizado em tardes de finais de semana encantados. 

Hoje, e já há algum tempo, a culinária vem tomando um espaço de escrita na minha vida. Tem leitura: das receitas, das combinações de ingredientes, dos tempos, das cores, dos cheiros, das texturas. Tem produção: de gostos, de imagens, de textos servidos com amor e toda minha expressão e criatividade. 

Os livros estão presentes, como estava aquela linda coleção que ficava na estante da minha mãe e que eu adorava folhear. Estou na fase Rita Lobo, conhecendo seus canais de divulgação e, claro, lendo suas obras que são um convite à reflexão, com inteligência e beleza. 

Nas férias, comecei uma pequena hortinha de temperos na jardineira da minha cozinha. Mais um passo nesse universo de sabores e saberes. 

É o cozinhar de todo dia - que cansa às vezes. Mas até mesmo essa rotina vai ganhando outros ares menos enfadonhos. Em algumas momentos, ter de ir pra cozinha significa um tempo para realizar tarefas completamente diferentes dos meus afazeres profissionais. E isso me acalma. E, de algum modo, me inspira,  com os pensamentos em ebulição que vão, aos poucos, se arrumando. 
E é o cozinhar-presente. O texto que ponho à mesa a familiares e amigos como uma parte de mim. 
Tem sido muito bom!

sexta-feira, 24 de julho de 2020

A utopia das janelas

O Clube de Leitura Vivências, que coordeno em Nova Friburgo/RJ, realizou uma atividade de escrita a partir de fotos.
Este é um dos meus textos na publicação, a partir da foto em anexo.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Uma prece na janela

O Clube de Leitura Vivências, que coordeno em Nova Friburgo/RJ, realizou uma atividade de escrita a partir de fotos.
Este é um dos meus textos na publicação, a partir da foto em anexo.