domingo, 31 de março de 2013

Sobre viver a morte

Tia Nena, numa das muitas vezes que esteve com meus filhos. 

“Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão”
(MedoLenine)

Diz a fala popular que a morte é a única certeza que temos na vida. Impossível negar essa verdade.  O que acontecerá depois, as religiões estão aí para tentar explicar. O fato é que, tal como aprendemos nas primeiras lições de Ciências, na escola, todo ser vivo nasce, cresce, envelhece e morre.
Não me recordo das percepções que tive da morte na minha infância. Não tive muitas experiências e acho que não precisei fazer muitas perguntas a respeito.
Na adolescência, reagi passionalmente às vivências que tive. Foram poucas, de pessoas não íntimas, mas familiares de outras que me eram próximas. Derramei rios de lágrimas. E foi só, pelo que me lembro.
De uns tempos para cá, tenho sentido medo da morte. E tenho certeza de que isso não tem relação com eu estar ficando mais velha e consciente disso - ainda sou muito jovem!
Esse medo é em virtude da maternidade, tenho certeza. Essa que nos pega e vira de cabeça pra baixo e vai colocando nos eixos um dia de cada vez. Essa que é uma intensa e profunda experiência de vida. Essa que nos revela um compromisso humano e amoroso enorme. E que nos faz cair em si: não posso morrer e deixar meus filhos sozinhos; tenho muito ainda a ensinar a eles. A vida está aí, a sua frente; preciso ensinar-lhes como se dedicar a ela e desfrutar de suas alegrias e chorar suas tristezas. Não posso morrer agora!
Obviamente, não quero morrer também pelo desejo de viver cada etapa das vidas de meus filhos. Passa tudo tão depressa! E é tudo tão encantador!...
Tenho me apercebido desse sentimento já há algum tempo. E sempre que vivencio uma situação de proximidade com a morte, isso se fortalece em mim e o medo chega outra vez e fica genérico: o medo é da morte, a despeito da minha fé me falar sobre a vida que há depois dela...
Nos últimos dias, vivi isso intensamente. Meu marido se submeteu a uma cirurgia. Tudo planejado, conversado; informações na ponta da língua. Mas sabemos que o domínio da vida não está sob as mãos daqueles que usam os instrumentos no momento de uma operação cirúrgica. Essas mãos devem ser devidamente habilidosas – e eram! – e todo o derredor precisa estar adequadamente preparado – e estava! – e o paciente necessita estar pronto para aquele procedimento, física e psiquicamente – tudo perfeito! Apesar de tudo isso, porém, meu coração bateu insistentemente mais forte durante as horas de espera até a frase: “Tudo transcorreu sem intercorrências.”. Graças a Deus!
Enquanto eu esperava, pensava tanta coisa... Um filme passa pela cabeça sobre tudo o que já se viveu com aquela pessoa, sobre as expectativas futuras, sobre os desejos do presente. E, insistentemente, meu pensamento se voltava para meus filhos e vinha o medo: e, se as coisas derem errado, como vou explicar isso aos meus meninos? Em sua inocência, pais só se vão idosos, morrem velhinhos. Um pensamento verdadeiramente angustiante para uma mãe.
Tudo correu bem, felizmente! A cada dia, pude dar boas notícias às crianças, alimentando suas esperanças de que a vida, às vezes, segue o curso que, para nós, é normal.
Mas, para não me deixar esquecer de que nem sempre é assim e que as explicações mais importantes não são possíveis de serem encontradas, ainda dentro do hospital recebi a notícia de um mal súbito que acometeu uma tia. Poucas horas depois, ela teve um infarto, que a deixou desacordada por todo o dia e ainda um segundo dia até que na noite de 6ª feira ela veio a falecer. Aos cinquenta e poucos anos de idade, em plenas atividades profissionais (acabara de ser promovida); com um filho maravilhoso, desfrutando de um bom emprego e finalmente próximo de se formar na faculdade; com sua casa própria comprada pelo próprio filho, a ser entregue em 2014. Enfim, a vida, que sempre fora dura, começava a lhe sorrir!...
Precisei de alguns dias para ter coragem de contar aos meus filhos sobre a morte da tia Nena. Eles a viram algumas vezes na vida e sem saber dos detalhes de sua vida, conheceram uma pessoa alegre e cheia de energia. Ambos reagiram, querendo entender o porquê de alguém morrer de repente. “Por que o coração parou?” – perguntou o mais novo. “Nossa! Mas ela tava tão bem!” – disse o mais velho (ela havia estado cerca de três semanas antes em Friburgo, acho que para se despedir de nós...). Eu não tive as respostas de que eles precisavam... Essas também eram as minhas próprias perguntas!...
Desde então, muitos foram os telefonemas entre os familiares, uns tentando consolar os outros. Minha tia era irmã de meu pai e de mais três irmãs. Tinha marido, sobrinhos, sobrinhos-netos. Todos, chocados com a morte tão repentina, nos dedicamos a falar sobre seu sorriso contagiante (dizem que, ao ser sepultada, havia um sorriso em seu rosto...), sua fé inabalável, sua persistência e perseverança numa vida melhor, sua capacidade de apaziguar os ânimos e promover ambientes de paz. Ela nos ensinava muito e só agora descobrimos o quanto!
Senti medo da vida nas últimas semanas e daquilo que ela nos reserva. Ao mesmo tempo, porém, voltei-me para Deus, agradecendo pela graça de viver (de graça, presente!...). E reconhecendo que a vida está em Suas mãos e a nós cabe vivê-la plena e abundantemente.
Que Deus me dê sabedoria para, com riso, propiciar a meus filhos experiências de vida em plenitude; e, quando houver choro, ensinar-lhes sobre fé diante das intempéries da vida. 

7 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigada, Alexandre! Saudades de nossos encontros no Cefet...
      bjao

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  2. Muito bonito, Marcia!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Lindo texto e muita espontaneidade em dividir conosco!!! Adorei!!!
    Compreendo bem tudo que sentiu/sente, pois que já passei por isso qd meu sogro morreu abruptamente atropelado na calçada e eu com três filhos pequenos senti-me desarvorada considerando que realmente esta é a única certeza que temos e que "para morrer basta estar vivo". Agora entretanto, em acordo com minha religiosidade, vou colocar aqui parte de um texto sobre a morte que li recentemente: "Compreendi que não se morre para morrer, mas para viver mais abundantemente...dentro da grande plenitude...a grandeza Infinita do Senhor!" Huberto Rohden

    A PAZ do SENHOR seja com você e sua família!

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  5. Nossa!!! Faltam as palavras e transborda o meu coração. Bjs

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  6. Isso mesmo, Marcia! Tudo está nas mãos de Deus e cabe a nós agradecermos por nossa vida e pedir que tudo aconteça da melhor maneira. Bj p vc!!!

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