Família é mesmo
algo muito especial. Quem tem a sua, não deveria abrir mão dela, por mais
difícil que possa ser conviver com pessoas tão próximas e tão diferentes de nós
mesmos. Mas talvez o encanto esteja exatamente nisso aí.
É muito bom
reunir a família, nas festas que ocorrem o ano inteiro. Aniversários todo mês,
casamentos eventuais, batizados de tempos em tempos. E, para os mais próximos,
é possível aproveitar a Páscoa, o Natal e até outros feriados. Se moram perto,
os parentes ficam sendo visitas frequentes; se a distância geográfica existe,
os encontros são mais espaçados e não menos especiais.
As famílias de
meu pai e de minha mãe são a mesma, num determinado ponto da árvore
genealógica: minha avó paterna era prima em primeiro grau de minha mãe. São
dezenas de tios, tias, primos e primas em comum. Não conheço praticamente
ninguém, todos espalhados por esse brasilzão.
Mas sei da
história de suas famílias mais próximas. Minha mãe teve onze irmãos – cinco
homens e cinco mulheres na família, criados no interior do sertão da Paraíba,
com muito trabalho do meu avô e da minha avó. Não conheci nenhum dos dois, mas
tenho uma imagem de gente simples, inteligente e trabalhadora, que ensinou
valores importantíssimos que herdei através de minha mãe. Meus tios e tias,
tive a oportunidade de conhecer quase todos e já estive com alguns primos
também. Há gente que continuou na Paraíba e lá fez seus herdeiros. Ainda devo à
vida uma visita àqueles lá. Aos de São Paulo, revi em 2009, numa viagem que fiz
com minha mãe, minha irmã e nossos filhos. E foi lindo!... De mais perto,
tínhamos a tia Eurides, no Rio, que fez parte tão intensamente de minhas férias
adolescentes. E que me acolheu quando do nascimento de meu filho caçula, cujo
parto teve de ser feito naquela cidade. Ela foi acometida por um AVC em 2009 e,
covardemente, não fui vê-la... Ela durou pouco depois disso e eu fiquei com a
lembrança de seu sorriso maroto, seu jeito implicante e seu imenso afeto por
nós. Restou o tio Nô – o mais velho de todos! -, com sua esposa em Itaocara,
que pude visitar recentemente. E como um dia ele pôde, numa visita à minha casa,
ensinar a mim e a minha irmã a andar de bicicleta, assim fez com meu filho, no
dia em que estivemos juntos, aproveitando os terrenos da cidade, debaixo de
enormes e belas alfarrobas. A vida dá belíssimas voltas!
Meu pai teve
quatro irmãs e, ao se casar, levou-as consigo para o Rio de Janeiro, juntamente
com seu pai e sua mãe. Que início de casamento!... Minha memória de infância,
dá conta da morte de minha avó paterna, com a imagem de meu pai chorando... E
tenho a lembrança de morar na mesma rua em que meu avô e as filhas. A mais
velha, minha madrinha, esteve sempre por perto, como até hoje está. As outras
três eram adolescentes, quando eu era criança. Recordo-me de ouvir conversas
sobre seus namoros às escondidas, sobre fugir de casa, sobre gravidez precoce.
Cresci, ouvindo sobre as circunstâncias tumultuadas em que se tornaram adultas.
E, por conta disso, eu e minha irmã fomos mantidas à distância delas, durante
um período de nossas vidas. Felizmente, isso se desfez posteriormente. Hoje,
vejo meu pai próximo de suas irmãs e aprendo um pouco mais com ele sobre a
vida. Afinal, família é família!
A motivação que
me faz escrever hoje, no entanto, não é das mais alegres. Não houve nenhuma
festa em que tenhamos nos encontrado nos últimos tempos. Não nasceu nenhum bebê
para aumentar a família. O que me causa emoção e que não deixa meu coração se
aquietar é ausência de alguém. Paradoxalmente, porém, mais importante do que
isso, o que me emociona é o que pode ser uma família no momento em que um
membro seu se vai...
Em 2010, a tia
Eurides morreu e vi mais uma faceta da força que minha mãe tem: ela, que esteve
presente quando morreu seu cunhado e pôde sustentar emocionalmente o sobrinho
que perdia o pai e ficava com uma mãe em cima da cama, mais uma vez, mostrou
que suas lições são mais do que palavras, mas estão em gestos e atitudes. Mamãe
enfrentou, com muitas lágrimas, mas grande sabedoria, a morte de sua irmã mais
próxima. Próxima, porque com ela morou, ao sair da casa de seus pais, muito
jovem para ir viver na cidade grande; próxima, porque colaborou na criação de
seu sobrinho, que lhe tinha grande amor (se afastou de nós, infelizmente,
depois da morte da mãe... Surpresas que fazem parte de viver em família!);
próxima, porque foi a única que morava na mesma cidade, durante os onze anos em
que mamãe viveu no Rio.
Agora, há poucos
dias, foi a vez da tia Nena, irmã de meu pai. Ele, a quem todos tiveram medo de
dar a notícia, chorou muito. Mas esteve fortemente presente, próximo a seu
cunhado, consolando as próprias filhas, de longe, por telefone. Sensível, mas
forte. A prima Bete, sempre com uma aparência de vulnerabilidade, foi uma
fortaleza: viveu os dias de hospital, experimentando dormir nos corredores,
andar de ambulância, ouvir as piores notícias e tendo de comunicá-las ao primo,
que preferiu – precisou – se manter um pouco distante, para cuidar do pai,
arrasado com toda a situação. E junto com minha madrinha e a outra prima, Gabi,
estão todas se revezando nos cuidados da casa da tia Nena, que sempre a
mantinha impecável, bem como tudo do marido e do filho; elas estão se esmerando
em promover um ambiente minimamente agradável, que possa apaziguar a dor da
perda e a saudade de nossa querida...
É, aprendi muito
sobre família. E, a despeito do luto que meu coração vive, renovei minhas
esperanças na vida. Morte e vida, dois lados da mesma moeda...
Que eu saiba
cultivar minha família: aquela que me criou, e que traz tantas outras juntas;
aquela que eu pude construir, entre sorrisos e lágrimas; e até mesmo aquela
formada pelos amigos e ‘agregados’ que vamos reunindo pela vida afora.
Para finalizar,
um trecho do livro “O arroz de palma”, de Francisco Azevedo, que de modo
simples e muito belo, relata a história de uma família, em suas várias
gerações, e mostra que amor é planta que seu cultiva a cada dia e necessita de
esforço, dedicação e paciência. E que só com ele é possível superar obstáculos
e desfrutar os verdadeiros prazeres.
“Família é prato difícil de preparar. São muitos os
ingredientes. Reunir todos é um problema. Pouco importa a qualidade da panela,
fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um.
Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir.
Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta
de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida – azeitona
verde no palito – sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.
O tempo põe a mesa, determina o n;úmero de cadeiras e os lugares. Súbito, feito
milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas.
Beltrano veio no ponto, é o mais brinca;hão e comunicativo, unanimidade.
Sicrano – quem diria? – solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este, o mais
gordo e generoso, farto, abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar
longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente.
E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e
veio aqui me fazer companhia. Como saiu do álbum de retratos? O mais prático e
objetivo? A mais sentimental? A mais pensativa? O que nunca quis nada com o
trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero ou do grau
comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua
vida. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns
cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se
envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De
alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor
do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, essas especiarias – que quase
sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar – tornam a
família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada
a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato
extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido.
Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora
que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma
grande amiga desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora
errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita
da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Família é afinidade, ‘à moda da
casa’. E cada casa gosta de preparar a família do seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras,
apimentadíssimas. Há também as que não tem gosto de nada – seriam assim um tipo
de ‘família diet’, que você suporta só para manter a linha. Seja como for,
família é prato que de ser servido quente, quentíssimo. Um família fria é
insuportável, impossível de engolir.
Há famílias, por exemplo,que levam muito tempo para
serem preparadas. Outras, ao contrário, se fazem de repente, de uma hora para
outra.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa.
A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que se sabe no
dia-a-dia. A gente cata um registro ali, de que alguém que sabe e conta, e
outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Família é prato que você tem que
experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas.
Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou
no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais
se repete.”
Oh querida prima, sem palavras!!!!
ResponderExcluirFamília é um bem precioso!
Lindo Prima! Família é um tesouro!
ResponderExcluirEmocionante! Família é a base essencial da vida. A que herdamos devemos cultivar a que construímos devemos cuidadosamente zelar, preservar.
ResponderExcluirAinda vou conhecê-la pessoalmente PRIMA!