Tia Nena, numa das muitas vezes que esteve com meus filhos. |
“Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão”
(Medo – Lenine)
Diz a fala popular que a morte é a única certeza que temos na
vida. Impossível negar essa verdade. O que acontecerá depois, as
religiões estão aí para tentar explicar. O fato é que, tal como aprendemos nas
primeiras lições de Ciências, na escola, todo ser vivo nasce, cresce, envelhece
e morre.
Não me recordo das percepções que tive da morte na minha
infância. Não tive muitas experiências e acho que não precisei fazer muitas
perguntas a respeito.
Na adolescência, reagi passionalmente às vivências que tive. Foram
poucas, de pessoas não íntimas, mas familiares de outras que me eram próximas.
Derramei rios de lágrimas. E foi só, pelo que me lembro.
De uns tempos para cá, tenho sentido medo da morte. E tenho
certeza de que isso não tem relação com eu estar ficando mais velha e
consciente disso - ainda sou muito jovem!
Esse medo é em virtude da maternidade, tenho certeza. Essa
que nos pega e vira de cabeça pra baixo e vai colocando nos eixos um dia de
cada vez. Essa que é uma intensa e profunda experiência de vida. Essa que nos
revela um compromisso humano e amoroso enorme. E que nos faz cair em si: não
posso morrer e deixar meus filhos sozinhos; tenho muito ainda a ensinar a eles.
A vida está aí, a sua frente; preciso ensinar-lhes como se dedicar a ela e
desfrutar de suas alegrias e chorar suas tristezas. Não posso morrer agora!
Obviamente, não quero morrer também pelo desejo de viver cada
etapa das vidas de meus filhos. Passa tudo tão depressa! E é tudo tão
encantador!...
Tenho me apercebido desse sentimento já há algum tempo. E
sempre que vivencio uma situação de proximidade com a morte, isso se fortalece
em mim e o medo chega outra vez e fica genérico: o medo é da morte, a despeito
da minha fé me falar sobre a vida que há depois dela...
Nos últimos dias, vivi isso intensamente. Meu marido se
submeteu a uma cirurgia. Tudo planejado, conversado; informações na ponta da
língua. Mas sabemos que o domínio da vida não está sob as mãos daqueles que
usam os instrumentos no momento de uma operação cirúrgica. Essas mãos devem ser
devidamente habilidosas – e eram! – e todo o derredor precisa estar
adequadamente preparado – e estava! – e o paciente necessita estar pronto para
aquele procedimento, física e psiquicamente – tudo perfeito! Apesar de tudo
isso, porém, meu coração bateu insistentemente mais forte durante as horas de
espera até a frase: “Tudo transcorreu sem intercorrências.”. Graças a Deus!
Enquanto eu esperava, pensava tanta coisa... Um filme passa
pela cabeça sobre tudo o que já se viveu com aquela pessoa, sobre as
expectativas futuras, sobre os desejos do presente. E, insistentemente, meu
pensamento se voltava para meus filhos e vinha o medo: e, se as coisas derem
errado, como vou explicar isso aos meus meninos? Em sua inocência, pais só se
vão idosos, morrem velhinhos. Um pensamento verdadeiramente angustiante para
uma mãe.
Tudo correu bem, felizmente! A cada dia, pude dar boas
notícias às crianças, alimentando suas esperanças de que a vida, às vezes,
segue o curso que, para nós, é normal.
Mas, para não me deixar esquecer de que nem sempre é assim e
que as explicações mais importantes não são possíveis de serem encontradas,
ainda dentro do hospital recebi a notícia de um mal súbito que acometeu uma tia.
Poucas horas depois, ela teve um infarto, que a deixou desacordada por todo o
dia e ainda um segundo dia até que na noite de 6ª feira ela veio a falecer. Aos
cinquenta e poucos anos de idade, em plenas atividades profissionais (acabara
de ser promovida); com um filho maravilhoso, desfrutando de um bom emprego e
finalmente próximo de se formar na faculdade; com sua casa própria comprada
pelo próprio filho, a ser entregue em 2014. Enfim, a vida, que sempre fora
dura, começava a lhe sorrir!...
Precisei de alguns dias para ter coragem de contar aos meus
filhos sobre a morte da tia Nena. Eles a viram algumas vezes na vida e sem
saber dos detalhes de sua vida, conheceram uma pessoa alegre e cheia de
energia. Ambos reagiram, querendo entender o porquê de alguém morrer de
repente. “Por que o coração parou?” – perguntou o mais novo. “Nossa! Mas ela
tava tão bem!” – disse o mais velho (ela havia estado cerca de três semanas
antes em Friburgo, acho que para se despedir de nós...). Eu não tive as
respostas de que eles precisavam... Essas também eram as minhas próprias
perguntas!...
Desde então, muitos foram os telefonemas entre os familiares,
uns tentando consolar os outros. Minha tia era irmã de meu pai e de mais três
irmãs. Tinha marido, sobrinhos, sobrinhos-netos. Todos, chocados com a morte
tão repentina, nos dedicamos a falar sobre seu sorriso contagiante (dizem que,
ao ser sepultada, havia um sorriso em seu rosto...), sua fé inabalável, sua
persistência e perseverança numa vida melhor, sua capacidade de apaziguar os
ânimos e promover ambientes de paz. Ela nos ensinava muito e só agora descobrimos
o quanto!
Senti medo da vida nas últimas semanas e daquilo que ela nos
reserva. Ao mesmo tempo, porém, voltei-me para Deus, agradecendo pela graça de
viver (de graça, presente!...). E reconhecendo que a vida está em Suas mãos e a
nós cabe vivê-la plena e abundantemente.
Que Deus me dê sabedoria para, com riso, propiciar a meus
filhos experiências de vida em plenitude; e, quando houver choro, ensinar-lhes
sobre fé diante das intempéries da vida.
Lindo texto!!
ResponderExcluirObrigada, Alexandre! Saudades de nossos encontros no Cefet...
Excluirbjao
Muito bonito, Marcia!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLindo texto e muita espontaneidade em dividir conosco!!! Adorei!!!
ResponderExcluirCompreendo bem tudo que sentiu/sente, pois que já passei por isso qd meu sogro morreu abruptamente atropelado na calçada e eu com três filhos pequenos senti-me desarvorada considerando que realmente esta é a única certeza que temos e que "para morrer basta estar vivo". Agora entretanto, em acordo com minha religiosidade, vou colocar aqui parte de um texto sobre a morte que li recentemente: "Compreendi que não se morre para morrer, mas para viver mais abundantemente...dentro da grande plenitude...a grandeza Infinita do Senhor!" Huberto Rohden
A PAZ do SENHOR seja com você e sua família!
Nossa!!! Faltam as palavras e transborda o meu coração. Bjs
ResponderExcluirIsso mesmo, Marcia! Tudo está nas mãos de Deus e cabe a nós agradecermos por nossa vida e pedir que tudo aconteça da melhor maneira. Bj p vc!!!
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