quinta-feira, 14 de abril de 2016

Não posso deixar de ensinar aos meus alunos

Estudei em escola pública. Do 6o ao 9a ano do Ensino Fundamental (o antigo ginásio) estive em uma escola da rede estadual e vivi as greves da segunda metade da década de 1980. Não tinha clareza das reivindicações dos meus professores, mas me parecia justo lutarem por melhores salários. Não me lembro de ver meus pais os criticarem por isso. 
Quando decidi ir fazer o curso de formação de professores no meu Ensino Médio, meu pai tentou me dissuadir da ideia. Dizia que professor ganhava pouco. Achava que eu deveria ser bancária. A ele, parecia algo mais valorizado - salário melhor, boa aparência, vida mais tranquila. Sei que ele queria o meu bem. E foi pensando nisso que se deu por vencido e aceitou minha decisão. E nunca me criticou por ela. Da minha família, sempre tive respeito e, muito rapidamente, admiração por eu ser professora. Meus pais reconheceram – e reconhecem - meu esforço contínuo e minha dedicação à minha profissão.
Fiz estágios em escolas públicas - vi de perto a realidade do CIEP no início dos anos de 1990, conheci uma escola municipal. Atuei, como docente, em escolas públicas de ambas as redes, por um curtíssimo espaço de tempo. E, em 1991, ingressando na rede privada, nela me mantenho até hoje.
Felizmente, a vida me deu nova chance de retornar à escola pública. E desde 2013, sou servidora da rede estadual. 
Servidora. Sim, sirvo. Sirvo à educação da minha região ao ser professora de adolescentes que buscam o diploma de professores. Por meio do meu trabalho, procuro mostrar a esses estudantes o que significa uma sala de aula, na amplitude de seus aspectos - sociais, políticos, estruturais, afetivos. São tantas relações! É preciso tanto conhecimento! É imprescindível não deixar de buscar aprender sempre. 
Ao mesmo tempo, procuro, eu mesma, estabelecer minhas relações com meus alunos e alunas, fazendo de "nossa" sala de aula um espaço de construção de saberes. Quanto trazem! Quanto aprendem! Quanto eu levo para eles! Quanto recebo para mim!
Mas as condições estruturais são sérias. Para além da minha disposição e dedicação para ser uma boa professora e contribuir para a formação integral dos meus alunos, há circunstâncias que interferem no meu trabalho. E que precisam se explicitadas e analisadas. Chega um momento em que não é possível fazer "vista grossa". 
Estou exatamente nesse ponto: há quarenta dias, reconhecendo a importância das aulas, decidi por interrompê-las e aderir à greve. Não foi uma decisão fácil. Sinto-me angustiada e triste. No entanto, é preciso deixar vir à tona toda a grave situação da educação pública estadual e procurar, em unidade, um caminho de saída. Uma saída que seja a melhor para a educação, ou seja, que atenda melhor tanto aos alunos quanto aos professores. Pensar esse caminho de saída está sendo penoso. Educação não parece ser mesmo a prioridade. E o professor segue desvalorizado, das mais variadas formas. 
Entrar na greve foi emocionalmente custoso para mim. Amo dar aula e creio, firme e profundamente, que isso faz diferença na vida daqueles para quem leciono. Pode ser uma utopia. Que seja a minha utopia, então. Contudo, minha prática precisa ser coerente com meu discurso. Hoje, a minha prática não pode ser a da sala de aula. Precisa ser a da negação da aula hoje em prol de uma conjuntura futura (espero que não tão distante) que ofereça as condições mínimas para que se cumpra, pelo menos, o que diz o artigo 2º da LDB: "A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."  

Neste momento, minha aula é fora da escola, no meu próprio exercício de cidadania. E não posso deixar de ensinar isso aos meus alunos. 

9 comentários:

  1. Seu texto chega num momento crítico, em que todas as certezas parecem se desvanecer como fumaça pelo vento. Voltamos sempre para o texto das leis, para as citações dos autores preferidos, procurando aquele norte que parece querer desaparecer, mas que parecia tão presente para eles. Hoje, o caminho a seguir parece ser o mais estreito, o mais difícil, nos levando para cada vez mais longe da chamada zone de conforto.Somos nós que estamos aqui agora, e somos nós que temos que agir para que a vida continue valendo a pena ser vivida, mesmo que não vejamos o resultado desse esforço em vida.

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  2. Entendo perfeitamente a sua angústia.Estamos todos, alunos e professores da rede pública, buscando, sinceramente, uma luz para essa situação caótica...Coragem. Acho que precisamos mesmo é de muita coragem, porque é ela que nos move a entrar na sala de aula, seja como alunos, seja como professores.Você é uma corajosa! Segue seu coração! Parabéns,sempre! Estamos juntas nessa utopia!

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  3. Os professores grevistas também estão servindo ao público, pois a luta pela dignidade da educação pública também é uma forma de serviço.

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  4. Tenho uma certa dificuldade de apoiar greves de servidores públicos, por causa das muitas distorções do serviço público, que servidores públicos geralmente evitam trazer ao debate. Eu gostaria de ver servidores públicos discutindo, de maneira franca e transparente, com os não servidores públicos (os contribuintes que sustentam o serviço público) as distorções que levam muitos servidores a acreditarem que estão na função para serem servidos - e, portando, favorecem a manutenção de um sistema corrompido e perverso. Mas seu texto me tocou, especialmente porque conheço sua seriedade e dedicação ao magistério. Vou compartilhar no meu Face.

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  5. E esta é uma das maiores lições que você poderia dar aos seus alunos!

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  6. Parabéns, Marcinha ‼ Mais uma prova da sua responsabilidade para com a Educação . Nós, aposentados, contamos com vcs, da ativa, a fim de que sejamos valorizados igualmente...Portanto, esperamos que a greve continue até que todos possam ter suas reinvindicações atendidas...Lembrando que, um dia, vcs estarão como nós...Aposentados‼ A angústia faz parte da nossa profissão ‼ Beijo grande, minha querida 💗

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  7. Parabéns, Márcia. Faço minhas as palavras da Gina. Seus alunos são privilegiados por terem vc como professora. Devemos ter pensamento positivo - as coisas vão melhorar. Um beijão no coração.

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  8. Parabéns, Márcia. Faço minhas as palavras da Gina. Seus alunos são privilegiados por terem vc como professora. Devemos ter pensamento positivo - as coisas vão melhorar. Um beijão no coração.

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  9. Márcia,como bem disse.Educação não é mesmo prioridade! Será que os salários do Governador, Deputados Estaduais,etc também estão ou foram parcelados? A coordenadoria Serrana I estava ou está sem computador, xerox, fax,etc por falta de pagamento da conta de energia elétrica! Só o que falta na greve, no meu ponto de vista, é esclarecimento à sociedade( pais principalmente) o que motiva e o que está sendo reivindicado pelos grevistas. Para não parecer irresponsabilidade do funcionário público( ou não servidor) como dito por alguns.Mas......."Levantados do Chão" é uma boa pedida para o momento! Não se preocupe a vida não é feita de ilusão." Dias melhores......."Virão no dia em que os brasileiros descobrirem o que é a LIBERDADE fornecida pela EDUCAÇÃO. Por enquanto, ainda estão acorrentados aos interesses políticos,apenas! Um grande abraço, Zilanda.

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