“A arte existe porque a vida não basta.”
Ferreira Gullar
Sabe quando você vai ao dentista ou
precisa fazer algum tipo de cirurgia e utiliza anestesia para não sentir dor?
Pois é... na origem, a palavra ‘anestesia’ está relacionada à palavra ‘estética’,
que vem do grego aesthesis e significa conhecimento sensorial ou sensibilidade.
Quando estamos anestesiados significa que perdemos nossa capacidade de ter
sensações. Fora desse estado, estamos prontos a “sentir” tudo o que há a nossa
volta.
No século XVIII, a palavra estética foi
adotada pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten para nomear o estudo das
obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. Estética, então, tornou-se a área da filosofia que estuda
racionalmente o belo - aquilo que desperta a emoção por meio da contemplação -
e o sentimento que ele suscita nos homens.
Despertar o senso estético dos meus
filhos é uma preocupação que tenho em sua educação. Acredito que esse
aprendizado seja fundamental para desenvolver a sensibilidade, sentimento que
considero tão escasso no mundo de hoje. Sensibilizar-se diante da vida, olhar o
mundo ao redor com sensibilidade e se deixar tocar pela beleza (ou pela falta
dela...).
“A arte existe porque a vida não basta.”, disse o poeta Ferreira
Gullar. Para além da vida cotidana, contemplar o belo – objetivo principal da
Arte – é fundamental para a vida humana. Na contemplação, tornarmo-nos
sensíveis às expressões daquilo que o outro vê.
O que é considerado arte está relacionado ao “Manifesto das Sete Artes
e Estética da Sétima Arte”, proposto pelo intelectual italiano Ricciotto
Canudo, em 1912, que cria a seguinte listagem: Arquitetura; Escultura;
Pintura;
Música;
Dança;
Poesia;
Cinema
(posteriormente, foi incluída a Fotografia como 8ª Arte e no lugar de ‘Poesia’
optou-se por ‘Literatura’). Atualmente, há variações dessa listagem, incluindo
outras expressões, mas há um consenso maior com relação a listagem apresentada,
que costuma ser a mais comumente divulgada.
No
currículo escolar, recentemente além de Arte foi incluída Música; didaticamente
separadas, o trabalho pedagógico com ambas volta-se a um conhecimento
intelectual da cultura construída pela humanidade ao longo de sua história e de
um incentivo à produção expressiva espontânea dos estudantes. E, para além do
estudo, objetiva-se o despertamento da consciência estética e o desenvolvimento
da sensibilidade.
Foi na escola que ouvi pela primeira vez uma música de Chico Buarque.
Isso foi em 1984, na 5ª série (que hoje se chama 6º ano do Ensino Fundamental),
na aula de música da querida professora Elisete (com quem, felizmente, tenho
contato ainda hoje, tendo sido – ‘voltas que a vida dá’ – sua professora
recentemente) e a música era “A banda”.
Lembro-me de que estudávamos numa sala apertada, onde cabia um piano e
todos os alunos ficávamos espremidos a volta dele. Foi a primeira vez que vi um
instrumento desse de perto, pois não havia esse tipo de experiência na minha
família e nem nos círculos que frequentávamos – escola, igreja, casa de amigos
e de parentes.
Recordo-me do quanto essa vivência foi prazerosa: ver o instrumento
musical, estar tão perto dele, acompanhar alguém tocando e produzindo tão
maravilhoso som. Juntamente com “A banda”, a professora nos apresentou “Roda
viva”, também de Chico Buarque. Nunca mais me esqueci daquelas letras e minha
curiosidade por esse compositor foi profundamente aguçada – e de lá até hoje
(30 anos depois!) – busquei conhecer e aprender a obra desse que é um dos meus
compositores preferidos (em primeiro lugar, confesso...).
Mas a professora também nos ensinou “Águas de março”. Amante de
música, porque meu pai foi um colecionador de vinis e eu conheci uma grande
variedade de artistas durante minha infância e adolescência, aquele espaço da
música “ao vivo” me encantou; a possibilidade de atentar para as letras e
cantar em grupo me causavam enorme alegria.
Curiosamente, – olha a vida dando voltas outra vez! – no ano em que Chico Buarque completou 70 anos de idade (2014), meus filhos tiveram a
oportunidade de, na escola, estudar sobre esse artista. Eles já eram ouvintes
de sua música, que toca em nossa casa com frequência. Mas a experiência do
estudo formal sobre o compositor proporcionou-lhes redescobri-lo e efetivamente
admirá-lo.
Que delícia ouvir meus filhos cantarolarem “A banda” pelos corredores
da casa, ao tomarem banho, inventando brincadeiras rítmicas e variações com
essa música. Sei que eles não se esquecerão dessa vivência. E que ela ficará
porque pedagogicamente o trabalho foi muito bem feito. Porém, acima disso, essa
memória ficará registrada porque se trata de Arte com ‘A’ maiúsculo e através
dela meus filhos – e todos os demais estudantes que tiveram essa oportunidade –
puderam ter seu senso estético aguçado e sua sensibilidade provocada e
estimulada.
Que essa seja apenas uma semente... E que seus bons frutos possam
colhidos e degustados!
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