“Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...”
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...”
[Daquilo que eu sei – Ivan Lins]
Sabemos tanto. Começamos a aprender no exato momento em que saímos do
útero materno e necessitamos respirar de modo diferente do que vínhamos fazendo
há meses.
A partir desse instante, tudo o que nos acontece é novo e precisa ser
aprendido. No início, nossos instintos animais nos auxiliam, levando-nos a
buscar o alimento que nos manterá vivos. Mas é só. Todo o restante – e infinito
– precisa ser aprendido.
Aos poucos e cada vez mais, vamos aprendendo algo que vai além dos
sentidos e que dá significado às sensações. Por meio da linguagem, vamos
reconhecendo as vozes e identificando os sons que ouvíamos quando ainda
estávamos na barriga de nossas mães; vamos enxergando sorrisos e expressões e
descobrindo seu sentido; vamos revelando expressões próprias, que vão sendo
significadas pelos que estão ao nosso redor.
Em cada gesto de cuidado – para nossa higiene, nossa alimentação, nosso
bem-estar – há aprendizado para nós. E, com isso, vamos crescendo num mundo
simbólico, cheio de ritos de todo tipo.
Com os animais é tudo mais simples. Meus gatos, hoje com sete meses de
idade, ainda me parecem um tanto filhotes. Mas sua agilidade corporal, sua
esperteza com os sentidos e sua capacidade de “se virarem sozinhos” me mostram
que frágeis somos nós, humanos.
Um bebê com essa idade não sabe andar nem falar e ainda necessita dos
cuidados mínimos básicos, sob pena de morrer. Ao mesmo tempo, porém, já
aprendeu a usar inteligentemente a linguagem que lhe é possível: choros,
gritos, ensaios de palavras, gestos, expressões, movimentos corporais. Tudo
fala. Tudo faz mover e lhe traz o que é do seu desejo. Toda a sua linguagem é
codificada e interpretada pelos adultos ao seu redor.
O bebê ensina e aprende concomitantemente. Ensina sobre si e aprende
sobre si. Ensina também sobre o mundo – pais atentos tornam-se pessoas
diferentes, se são capazes de, além de ensinar, aprender com seus filhos. E
aprendem sobre o mundo, num volume enorme de conhecimento que vai sendo
adquirido. Conhecimento concreto, pela experimentação, pelo exemplo. E
conhecimento abstrato, simbólico, sobre o que significam as coisas (aqui no
sentido mais amplo, geral e indefinido da palavra coisas; ou seja, TUDO).
O que um ser humano é capaz de aprender nos três primeiros anos de vida
é algo impressionante. E a linguagem é, com certeza, a maior responsável por
isso. Sem linguagem, um humano jamais seria humano; permaneceria tão somente no
reino animal ao qual pertencemos, na categoria de ‘mamíferos’.
O que dizer, então, sobre o aprendizado de uma vida? Sim, porque depois
dos três anos de idade e da fase inicial do ‘prezinho’, vem toda uma vida
dedicada a aprender. Sobre viver em família e as relações sociais; sobre frequentar
uma escola e os conhecimentos construídos pela humanidade; sobre a vida em
sociedade e a descoberta de um talento, de uma vocação para o ingresso no mundo
adulto do trabalho. É aprendizado que não acaba mais...
Não acaba mesmo. De repente, diante de um desafio profissional ou
familiar, percebemos que não sabemos nada... Ou que, ao menos, toda nossa
bagagem de vivência e conhecimento não traz a resposta de que tanto
necessitamos naquele momento. “Daquilo que eu sei/Nem tudo me deu clareza/Nem
tudo foi permitido/Nem tudo me deu certeza...”
Porque, para viver, e aprender a viver, é preciso sabedoria. A sabedoria
não está nos livros, se apenas compreendemos o conhecimento ali apresentado e não
somos capazes de estabelecer relações com outros conhecimentos adquiridos fora
dali. A sabedoria está nos livros, se, a partir deles, somos capazes de ver o
mundo com outros olhos e enxergar por outros pontos de vista, relacionando
aquele aprendizado com nossas sensações e percepções e refletindo sobre o mundo
a nossa volta.
Assim, o papel da linguagem permanece fundamental. Não o da linguagem
escrita – que é apenas UMA forma de linguagem, muito valorizada socialmente, é
verdade. Mas uma linguagem num sentido mais amplo, que é o que verdadeiramente
caracteriza o ser humano e o distingue dos outros animais: a capacidade de
criar símbolos e dar significado a eles, transformando a natureza e criando
cultura.
Então, é possível compreender porque o que eu sei nem sempre vai me
trazer as respostas de que preciso. Talvez seja necessário mudar as perguntas.
Talvez o problema esteja na forma de perguntar.
“Só sei que nada sei.” E sei também que quero aprender todo dia. Sei
além: sei que aprender dói.
“Não fechei os olhos/Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei
Ah! Eu usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo!”
Cheirei, toquei, provei
Ah! Eu usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo!”
Daquilo que eu sei – Ivan Lins
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