sexta-feira, 27 de julho de 2012

Uma herança de palavras


Na semana passada, participei da Oficina “Mediação de Leitura”; hoje, na de “Escrita Criativa”, do Festival de Inverno do Sesc.
Como amo ler e escrever! Já contei por aqui minha trajetória nessa deliciosa experiência, mediada por meu pai e minha mãe. Na escola, encontrei professores especiais que me incentivaram e aproximaram ainda mais desse ambiente. Como esquecer de “A fada que tinha ideias”, “Memórias de um cabo de vassoura” e “A bolsa amarela”?
E como o que amo são as palavras, a poesia da boa música também me encanta. E vem de berço: meu pai é um amante da MPB e passei os domingos da minha infância ouvindo os vinis que ele colocava para tocar na vitrola (na verdade, uma radiovitrola, que, nordestinamente chamávamos de “radiola”, para horror das minhas tias que queriam fazer bonito na vida carioca).
Tinha de tudo naquela coleção de compactos e long plays: Agnaldo Timóteo, Angela Maria, Antonio Marcos, The Fevers, Os Incríveis, Jovem Guarda, Elis Regina, Dicró, Roberto Carlos (uns 30!) e outros tantos que não me vêm à memória agora; até Benito de Paula (“Estou na cidade grande/e a saudade é tamanha/quero ver se volto pra serra/eu sou homem da montanha”- quem diria que seríamos nós a subir a serra, anos depois!). As músicas? Conheço-as como deve ser aquilo que aprendemos com amor: de cor; devidamente gravadas na memória do meu coração...
Não havia grande repertório infantil, mas aprendi na escola e em casa as cantigas de roda e as músicas folclóricas que pude ensinar aos meus alunos e hoje canto com meus filhos. Mas assisti, na TV, aos programas que apresentaram as versões musicais dos poemas de Vinicius de Moraes, que até hoje são publicados em livros e CD – “Arca de Noé”. Depois, ainda peguei a fase dos primeiros grupos musicais para criança e desfrutei de boa música, especialmente com o Balão Mágico.
No Colégio Canadá, em meados da década de 1980, nas aulas de Música com a professora Lisete, aprendi “A Banda”, “Roda viva”, “Águas de março” e nunca mais esqueci. Com a professora Raquel Nader, li alguns dos contos de Shakespeare e mergulhei nos seus clássicos personagens. Com a professora de Geografia Maria do Carmo Nader, conheci Desmond Tutu e Mandela – e até hoje esses nomes me emocionam e suas histórias aguçam minha curiosidade e meu interesse.
No Ensino Médio, pude ler “A Madona de Cedro” e “O Encontro Marcado”. E comecei a ouvir Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento. Pouco depois, descobri Chico Buarque e foi amor eterno!
Muitas outras descobertas vieram no começo da minha juventude – mas a base está descrita acima.
É claro que li os romances de banca de jornal, assim como ouvi a música sertaneja começando a ficar famosa com Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano (tenho o primeiro LP, de 1990, com “É o amor”!). Amei também Fábio Jr e dancei lambada. Afinal, como qualquer adolescente normal, fui influenciada pelos modismos da minha época. Só não joguei fora o que aprendera de bom. Herança cultural é algo a ser cuidado e preservado, tanto quanto a herança material.
Meus filhos hoje vivem uma infância que sofre a influência de uma cultura eclética e tão bem planejada que sequer se dedica às crianças: os pequenos ouvem e curtem aquilo que qualquer adulto ouve e curte. É importante ressaltar, porém, que o “aquilo” trata-se de material duvidoso do ponto de vista da Arte: “Eu quero tchu/Eu quero tcha/Eu quero: tchu tcha tchá thu cu thu cu tchá, tchu tchu tcha tchá” é um exemplo. E, infelizmente, não é o único...
Meu esforço para lhes oferecer uma herança cultural, então, é imenso. Sem proibir os “tchu-tcha” da vida, mas sem incentivá-los, vou buscando outras experiências com músicas, filmes, livros que estejam além da mera lógica do mercado, que só incentiva o consumismo desenfreado. Quero mostrar-lhes algo que seja útil para seu aprendizado e ensiná-los sobre estética e apreciação. Cultura, sim; e fruição, que é o objetivo principal da boa arte.
Dessa forma, também mostro aos meus herdeiros a importância das palavras. Que elas expressam sentimentos, transmitem conhecimento, revelam pensamentos e que devemos saber usá-las e ouvi-las. Quero ensinar que, acima de tudo, se forem boas palavras elas nos ajudam a crescer em sabedoria a cada dia, todos os dias.


As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade.”
Victor Hugo

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