segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Relações contemporâneas


Acabo de ler a coluna de Roberto Pompeu de Toledo, na revista Veja desta semana. O artigo, intitulado “Desafios da família, estilo novo”, aborda, com certo humor e uma dose de espanto e incompreensão, as dificuldades que a língua tem encontrado para dar conta de nomear as novas relações existentes.
Não pude deixar de pensar na aula da pós do último sábado, quando, discutindo sobre consumismo, nos deparamos com a abrangência do conceito a abarcar muito mais do que consumir produtos (leia-se comprar).
Segundo o sociólogo Zigmun Bauman, as relações interpessoais – inclusive as amorosas – também sofrem o contemporâneo ritmo acelerado em que tudo se gasta depressa e precisa ser substituído. Mesmo quando ainda poderia continuar a ser usado. Antes que se necessite da troca.
Assim, namoros e casamentos se desgastam rapidamente, nas primeiras – e, às vezes, incipientes – crises. E não se verifica a possibilidade de continuidade, o que, quase sempre, exige o esforço do entendimento, a experiência do perdão, o exercício do afeto. E tudo isso dá muito trabalho.
Para resolver isso, criam-se novos “produtos”, novos tipos de relação que possam suprir as “novas” necessidades.
Que necessidades se tem ao se iniciar uma relação amorosa? No meu entender, necessidade de afeto. Em sua etimologia, afeto vem do latim affectu, particípio passado do verbo afficere e significa tocar, comover o espírito e, por extensão, unir, fixar (it. attaccare).
Para “comover o espírito” e “se unir” ao outro a entrega é imprescindível. Afeto, então, pressupõe tempo e cumplicidade, para conhecer e se deixar conhecer. Nessa “parceria”, revelam-se qualidades e não é possível esconder defeitos. Mas o produto com defeito precisa ser devolvido em troca de outro perfeito; caso não haja possibilidade de devolução, o lixo será seu destino. Quem, ainda hoje, tem o hábito de consertar instrumentos, aparelhos, ferramentas? Costuma-se dizer que sai mais caro do que se comprar um novo... E aí vemos as relações sendo tratadas também assim: consertar - que seria rever comportamentos, corrigir falhas, procurar se colocar no lugar do outro – é mais difícil do que simplesmente procurar numa outra relação o que falta naquela...
Há muito que se pensar a respeito... Pessoalmente, para enxergar melhor como vivemos nossas próprias relações. Profissionalmente, para promover conhecimento a respeito dessa nova realidade e modificar aquilo que é possível – e talvez necessário.

Márcia Lobosco

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