domingo, 8 de abril de 2012

Sobre rigor e gentileza na educação dos filhos


Recentemente recebi um e-mail que se chamava “As mães de antigamente”. Nele, havia “pérolas” do que as mães diziam aos seus filhos, para fazer com que eles fossem obedientes, respeitosos e responsáveis. A última frase do texto é “E eu não virei bandido”.
De alguma forma, minha mãe também me disse algumas daquelas “atrocidades” na minha infância e adolescência. Eu digo: “E eu sobrevivi.”
Para ser politicamente correta, eu teria de considerar o que seria “virar bandido” nos tempos atuais, me socorrendo de teorias sociológicas. Teria, também, de tirar as aspas da palavra atrocidades e considerar, a partir de teorias psicológicas, o mal que aquelas palavras e expressões causam ao indivíduo. Por fim, precisaria contextualizar minha história de vida e descrever meu temperamento, para tentar explicar porque sobrevivi e, principalmente, que motivos me levam a não rechaçar por completo, pelo menos não na sua essência, o modo de educar das “mães de antigamente”.
Não farei nada disso e me darei o direito, simplesmente e por experiência como filha e como mãe, de defender o rigor na educação dos filhos.
No tal e-mail, as frases revelavam certa violência verbal. Para alcançar o objetivo final, as mães se permitiam dizer grosserias aos filhos. Acredito que o rigor não está aí. A forma serve apenas para ir de encontro à expressão “Gentileza gera Gentileza”, cunhada pelo profeta Gentileza, nas ruas do Rio de Janeiro, na década de 80. Palavras mal-ditas precisam ser evitadas, se queremos ensinar tolerância e paciência aos nossos filhos. E boa educação! Sim, gentileza gera gentileza; respeito gera respeito.
Mas a firmeza das lições, mesmo naqueles moldes, é admirável. As mães – principalmente elas – diziam e estava dito. Simples assim.

Nesse ponto, percebo que nossa geração tem um desafio um tremendo. Nossos filhos não são como éramos: naturalmente obedientes, que se calam diante de uma fala de autoridade. Nossos filhos nasceram pós-ditadura, quando descobrimos que devíamos refletir criticamente sobre o mundo e revelar nossos pensamentos. Eles nasceram muito depois que os “sutiãs foram queimados”, num momento em que experimentamos expressar com liberdade nossos sentimentos. As crianças de hoje nascem, então, em vez de obedientes, com potencial para discussão; menos reprimidas e mais capazes de demonstrar o que sentem.
Mas nós, pais, não estamos preparados para isso. Nascidos num tempo de transição entre o que foram nossos pais e o que são nossos filhos. Muitos de nós fazemos parte da geração que nasceu nos anos em que não se podia falar e teve de aprender a expressar sentimentos e pensamentos sem demora; uma geração que descobriu que se dizer é necessário.
No auge das grandes descobertas das ciências humanas, muitas teorias foram corrompidas, especialmente no campo da psicologia, e a ordem às novas famílias que se formavam era: não se podia calar a pessoa, sua liberdade precisava ser respeitada, bem como sua individualidade. Em plena democracia, era necessário que tudo fosse discutido, também dentro de casa.
Saímos da posição de autoritarismo severo para ausência de autoridade. Ou seja, de um extremo ao outro. Da violência pela palavra a, muitas vezes, a violência do não-dito. Sim, porque crianças e adolescentes esperam dos adultos limites bem definidos e, se estes não vêm, o mal causado por sua falta também é grandioso, ainda que encoberto por falso respeito regado a excesso de amor.
Demerval Saviani, autor do livro "Escola e Democracia" (1983), buscando esmiuçar a realidade educacional da atualidade e inspirando-se numa frase de Lênin, fala-nos sobre uma idéia bastante interessante, batizada com o nome de “teoria da curvatura da vara”. Lênin, quando fôra criticado por assumir posições extremistas e radicais, respondeu aos acusadores da seguinte maneira: “Quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o lado oposto”. 
Tomara que estejamos caminhando para colocar a vara em equilíbrio. Precisaremos de muita reflexão, conscientização e atitude. Teremos de ser autênticos e autônomos; mas talvez valha beber um pouco na fonte das “mães de antigamente”, colhendo o que havia de bom e refazendo o que pode ser melhor.

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