quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sobre domingos e(m) família

“No primeiro dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão...” (Atos 20:7)

Não saberia dizer qual é meu dia da semana favorito. Mas tenho grande apreço pelo Domingo e acho que isso se deve à minha infância.

Na casa em que morei dos quatro aos nove anos de idade, em Realengo, no Rio de Janeiro, e onde vivi maravilhosas experiências de brincadeiras no nosso enorme quintal, o domingo era dia muito especial. Muitas vezes, ficávamos apenas os quatro em casa – eu, papai, mamãe e minha irmã – e isso era muito gostoso para mim: mamãe cuidava dos afazeres domésticos, com alguma ajuda das filhas; papai ouvia seus long plays, em volume alto, numa vitrola antiga que aprendemos a chamar, nordestinamente, de radiola, e limpava seus discos cuidadosamente enquanto cantava suas canções preferidas. Até hoje sei de memória as músicas de Benito de Paula, Alcione, Agnaldo Timóteo, Jovem Guarda, Os Incríveis, The Fevers, Elis Regina, Dicró, entre tantos outros... Os álbuns de Roberto Carlos passavam de quinze (papai teve todos, de 1966 a 1981). Ouvir qualquer uma das músicas que esses artistas cantavam naquele tempo me causa grande emoção até hoje... Essa é uma rica herança que tenho, com certeza!

Em algumas ocasiões, papai recebia amigos para jogar sueca, regada a cerveja e petiscos como siri e camarão; mamãe preparava as guloseimas e acompanhava as crianças; eu e minha irmã (única, dois anos mais nova do que eu) aproveitávamos a companhia dos vizinhos de nossa idade em brincadeiras de variados piques.

Havia, também, os domingos em que íamos visitar a tia Eurides, irmã da mamãe, que morava em Santo Cristo, próximo ao centro do Rio, com marido e filho adolescente. Dois ônibus ou ônibus e trem para ir e para voltar. Saíamos cedo de casa e só voltávamos à noite. Transporte cheio, viagem longa – reconheço até hoje os pontos de ônibus e as estações de trem. Aventuras urbanas: andar na beirada do viaduto, chegar à Central do Brasil. Vivências inesquecíveis!

Em 1983, mudamos para Friburgo. Perdemos o quintal, mas ganhamos a rua. Em Olaria, numa rua extremamente íngreme, conseguíamos brincar de pique-bandeira e queimada nas tardes de domingo. De manhã, cuidados com a casa e preparo do almoço, ao som de boa MPB. Perto da mamãe, aprendíamos a dividir as tarefas domésticas, observávamos o preparo dos alimentos para a especial refeição do domingo, descascávamos, com a ajuda do papai, as frutas para a salada, colaborávamos com o preparo dos doces de domingo: pé de moleque de rapadura, cocada, doce de goiaba, picolé na forminha de gelo. Sempre juntos, nós quatro compartilhávamos horas e horas desse dia.

Em Conselheiro, no Loteamento Três Irmãos, onde construímos nossa casa, a partir de 1985, e para onde nos mudamos no final de 1987, mantivemos nosso ritual dominical de faxina, cozinha e música. Já adolescentes, as brincadeiras de rua foram substituídas pela TV (fosse hoje, nos divertiríamos com a internet...). Pouco a pouco, porém, fomos nos modificando e o ritual do domingo também; afinal, os namorados chegaram...

Preciso dizer que mamãe nos ensinou a ir à igreja e descobrimos mais uma atividade para o domingo: de manhã, participávamos da missa das crianças. Assim foi em Olaria, de 1984 a 1987; depois, foi em Conselheiro, de 1987 a 1990.  A partir desta data, conhecemos o grupo de jovens Mensate e nossa frequência passou a ser no final da tarde e durante a noite. Acabamos, por conta disso e para se manterem perto de nós, levando nossos pais para trabalhar na igreja, onde permaneceram por longos anos.

Adulta e professora, meus domingos se transformaram em dia de trabalho e estudo – o dia de concluir tudo o que não havia dado tempo durante a semana. E não deixar de ir à igreja. E não deixar de namorar. E continuar em família. No domingo, cabe tudo e mais um pouco, se nos dedicarmos a ele!

Casada, anos depois, o domingo virou o grande dia de reunir as famílias de um e de outro, na Grande Família. E eu podia, de certa forma, retomar dois deliciosos hábitos dos meus domingos: preparar a comida para todos comerem juntos, ao som de boa música e boa conversa.

Com filhos pequenos, com idades muito próximas, os hábitos se modificaram temporariamente: menos reuniões, rituais infantis apropriados, repertório musical diferenciado. Valeu o período de transição: hoje, os meninos, com seis e sete anos de idade, são meus companheiros aos domingos, nas tarefas domésticas com cachorros e gatos e pequenos cuidados com a casa, como tirar o pó e dar uma arrumada geral; curtem ir comigo para a cozinha e conhecer temperos, alimentos e receitas; ouvem as nossas músicas, e ouvimos as deles, conversando sobre letra e melodia; assistem TV conosco (na verdade, isso começa no sábado, com o Jornal Nacional...) e discutem sobre os programas, opinando e perguntando a respeito, numa grande e infinita descoberta sobre o mundo à sua volta; à noite, lemos juntos, cada um com seu livro, desvendando palavras e expressões, interpretando textos e interpretando a vida; e, na hora de dormir, cabe ainda a história lida pela mamãe e a oração feita juntos.
Ah! E não falta a brincadeira no quintal, no clube, na casa da bisa ou da vovó – com muita energia e atividade! Um pouco de computador, vídeo-game e internet também fazem parte do domingo (e só dele e do sábado), pois como dizem os entendidos, nós somos os “estrangeiros tecnológicos”, mas a geração nascida no século XXI é a dos “nativos”. E no domingo cabe tudo e mais um pouco!

A palavra domingo é originária do latim e significa dies Dominicus (dia do Senhor). Como cristãos, desde o concilio de Niceia (ano 325), entendemos que seja o dia que deva ser dedicado ao Senhor Deus, o Criador, numa divergência resolvida pelo Imperador Constantino que impôs o domingo sobre o sábado, de modo a introduzir o povo pagão dentro da nova religião - o catolicismo - e assim unificar todo o povo do seu império. Originariamente, porém, os pagãos antigos reverenciavam seus deuses dedicando este dia ao astro Sol, o que originou, por exemplo, a palavra Sunday inglês, e no alemão, Sonntag, com o significado de "Dia do Sol".

A verdade é que – faça chuva ou faça sol – domingo, para mim, tem a energia e o brilho do Sol. Dia de alegria, de reverência à vida; pessoal e marcadamente, é meu dia da família.
Domingo é o dia de descanso das tarefas da semana (pelo menos até as nove da noite, quando ponho as crianças para dormir e começo, de certa forma, minha semana de trabalho, pondo material em dia...). Deus descansou no sétimo dia e nós descansamos no primeiro... A convenção não se aplica aos judeus, para quem o dia de descanso (Shabat) é incontestavelmente no sábado, nem para os muçulmanos cujo dia sagrado (jumu'ah) é em uma sexta-feira.
Convenhamos, no entanto, que não é a ordem que altera o sentido do descanso – se no último ou no primeiro dia; fundamental é que ele ocorra; essencial que seja de modo especial...


Numa realidade em que as famílias reúnem-se cada vez menos durante a semana, em virtude de uma vida grandemente atarefada, ter um dia de descanso das atividades cotidianas e um encontro em família, creio, é bênção de Deus. E, como tal, precisa ser recebida de coração aberto e disposição para desfrutar de sua maravilha.

Um comentário:

  1. Após os comentários durante a aula de ontem, fiquei curiosa e resolvi dar mais uma olhadinha por aqui.
    Lindo texto... Ótimos exemplos de família... Domingo é realmente MARAvilhoso!

    Bjos

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