segunda-feira, 23 de abril de 2012

A potência das palavras - experiências de leitura e escrita

“Ai, palavras, ai, palavras/Que estranha potência a vossa.” Cecília Meireles

Sempre gostei de escrever. Lembro-me de que, desde o aprendizado das primeiras letras, na escolinha de fundo do quintal da tia Zilda, as letras me encantaram.
Alfabetizei-me cedo, aos cinco anos de idade, e logo comecei a desfrutar do poder de ler e escrever palavras, frases e pequenos textos.
Com meu pai, um marceneiro de profissão e historiador de coração, aprendi o gosto por descobrir nos livros e jornais os fatos, os personagens e a fazer reflexão sobre o que estava nas entrelinhas.
Recordo-me, com doce saudade, do dia em que chegaram dezenas de livros em nossa casa, comprados numa espécie de liquidação. Havia dicionários, atlas, enciclopédias variadas. Eu e papai devoramos tudo!
Dele, depois de adulta, em momentos distintos, ganhei antologias de Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade e “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz. Papai sempre foi “dez” para me presentear com livros!
Antes disso, durante minha adolescência, compartilhamos os livros de Literatura que ele ganhava de segunda mão de alguém para quem ele trabalhava. Uma das obras lidas por nós foi “Papillon”.
Na escola pública municipal, em Realengo, no Rio, onde estudei da 1ª à 4ª série primária, lembro-me de gostar de ler em voz alta nas aulas e de sempre querer ser oradora nas atividades em que havia a oportunidade. Além disso, devorei, ano após ano, a biblioteca da sala de aula; quando criança, era ali o único lugar onde eu poderia encontrar livros infantis para ler, pois não havia exemplares em casa.
Guardo na memória, até hoje, o prazer ao ter lido “A fada que tinha ideias”, “A bolsa amarela”, “Memórias de um cabo de vassoura”.
Da 5ª à 8ª série, estudei na Escola Canadá, em Olaria, e era frequentadora assídua da biblioteca escolar, onde li todos os livros da série “Vaga-Lume”, da Editora Ática, ao mesmo tempo em que ia lendo os livros de meu pai e todos os que me apareciam pela frente. A leitura, certamente, me ajudou a enfrentar a puberdade com poucas neuras, a entrar na adolescência sem grandes problemas, a superar frustrações de uma vida simples e com restrições financeiras, a vencer as dores decorrentes do relacionamento ruim que meus pais cultivavam em seu casamento, a despeito da união de nossa família – era paradoxal demais para alguém tão jovem... Só mesmo a literatura para sublimar tudo isso!
Buscando histórias de amor, descobri romances de banca de jornal, “Bianca”, “Sabrina” e outros. Encontros difíceis, relacionamentos complicados, lugares em todo o mundo, finais sempre felizes. Cheguei a ler duzentos deles, aos 14-15 anos de idade, compartilhados com uma tia paterna, que também adorava ler esses livros e os trazia para mim.
Nessa idade, fiz minha carteirinha da Biblioteca Municipal e, por indicação, cheguei a Sidney Sheldon (li tudo o que havia na época) e Agatha Christie; no Ensino Médio, li “Olhai os lírios do campo”, de Érico Veríssimo, “A Madona de Cedro”, de Antonio Callado, “O encontro marcado”, de Fernando Sabino. E cada recordação dessas ainda hoje aquece meu coração...

Com minha mãe, costureira e dona de casa, descobri o prazer de escrever cartas. Não tínhamos telefone e minha mãe tinha irmãos e irmãs morando longe, o que tornava as cartas nosso meio habitual de comunicação, compartilhado também por meu pai que escrevia cartas para seu pai.
Eu adorava vigiar a passagem do carteiro e aguardar se haveria ou não carta para nós. Os textos eram lidos por mamãe com grande expectativa e essa magia me encantava. Assim que fui alfabetizada, passei a me corresponder com uma prima de São Paulo: mensalmente, mamãe escrevia para sua irmã e, dentro dos envelopes, iam as cartas das meninas, uma para a outra. Fizemos isso por cerca de uns dez anos e foi uma experiência maravilhosa!
Anualmente, escrevíamos cartões de Natal para todos os membros da família que moravam longe e recebíamos muitos deles. Lembro-me de que, ao nos mudarmos para Friburgo, em 1983, uma das minhas grandes preocupações era saber se havia o serviço dos Correios, para que pudéssemos nos corresponder com nossos queridos, que aumentaram muito, com nossa vinda para cá... Eu trouxe endereços de colegas e professores e dos familiares que ficaram no Rio de Janeiro. E essa comunicação nos acalentava nos momentos de saudade.
Adolescente, descobri o diário e durante anos registrei vivências, emoções, pensamentos. Adulta, já com filhos, reencontrei essa experiência terapeuticamente. Há cerca de nove meses, criei um blog e redescobri o prazer de escrever!
Ler e escrever estiveram presentes também em minha formação profissional. Em 1994, iniciei o curso de Pedagogia, na Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia, e encontrei uma biblioteca diferente: li prateleiras e mais prateleiras de livros sobre História, Filosofia, Antropologia, Alfabetização, Educação. Já lecionando, com um trabalho de alfabetização iniciado no Educandário Miosótis, em 1992, escrevi alguns textos que serviram para embasar nossa prática.
Vieram outros estudos, cursos, pós-graduação, classes, trabalhos. E a vida me conduziu para o curso de Letras, também na FFSD, onde pude aprimorar e ampliar meus estudos sobre a língua escrita e a literatura. Novos e maravilhosos aprendizados!

Sou grata aos meus pais pelo seu legado em minha vida. Com eles, tudo começou e sem seu exemplo, eu não seria o que sou.
Sou grata, também, aos muitos professores que encontrei - e encontro ainda – e que compartilham seu saber, espalhando muitos saberes, nas palavras de outros.
Como professora, sinto-me, a cada dia, mais desejosa de descobrir formas de mostrar aos meus alunos a beleza da palavra, nos seus mais variados aspectos, com o objetivo principal de que eles aprendam sobre si mesmos e sobre tudo o que os cerca, como dizia o mestre Paulo Freire: 
“A leitura do mundo precede a leitura da palavra”.

7 comentários:

  1. Que belo texto, Marcia. Sabe, acho que quem gosta dos livros, sempre tem uma história bonita sobre essa relação. Concordo inteiramente, a família é fundamental para criar esse laço com um mundo novo e maravilhoso.

    Obrigado e parabéns pela delicadeza do seu post.
    Um abração

    ResponderExcluir
  2. Mais um lindo texto... Fiquei impressionada com sua "sede" de leitura... Parabéns!!

    ResponderExcluir
  3. Oi Marcia, vc me emocionou, e fiquei feliz em saber que aqui da minha terrinha , Realengo, rsrsrsrs, pode sim sair mentes tão brilhantes quanto a sua. Sou mãe, hoje estudante de Letras e passei pela Pedagogia. Amo tudo isso quero te parabenizar e dizer continue firme nessa caminhada pois vale a pena, educar, ser um canal para facilitar o aprendizado de tanta gente. Deus te abençoe grandemente! Parabéns pois quem descobre o universo da leitura é um grande Ser.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Então somos conterrâneas... rsrs Legal!
      Obrigada pelo incentivo!
      Deus a abençoe também!

      Excluir
  4. Temos uma história muito parecida de descoberta e apego à leitura. Também nasci e cresci no subúrbio do Rio, também fui incentivada pelos meus pais, também havia poucos livros (e dinheiro) em casa. Nunca me ocorreu que passei razoavelmente bem pela puberdade graças à literatura, como você disse. É verdade. Os livros são grandes companheiros. Hoje moro em Santa Maria Madalena e me esforço para compartilhar com a cidade o prazer que eles me dão.

    ResponderExcluir